quarta-feira, 6 de abril de 2011

) Contrafluxo



Num papo animado com uma amiga executiva recém chegada a São Paulo, caímos no lugar comum dos assuntos: a correria da cidade. Eu dizia que meu prazo de validade pra cidade havia vencido. Ela, ao contrário, estava completamente encantada com as, pasmem, poucas dores e muitas delícias que a cidade oferecia. E, determinada a me convencer, exibiu sua principal tese: “São Paulo me faz ganhar tempo”. Ah tá. E as horas de trânsito, e as chuvas que param a cidade e os cento e tomates quilômetros de engarrafamentos na 6af? Para ela, balela. Ela sai de casa, deixa a filha na creche logo ao lado, pega um contrafluxo para o trabalho, que fica ao lado da academia que frequenta antes de bater o cartão às 10h, quando começa o seu expediente.

“Ok”, disse, “é uma rotina diferente da maioria”. E tudo bem que ela não viva diariamente as mazelas da população paulistana, mas dizer que a cidade faz a gente ganhar tempo era too much pros meus neurônios. Aí ela argumentou, dizendo: “Sabe quanto tempo eu gastei para fazer a festa da minha filha? Um minuto e meio.” Fiquei com cara de paisagem e ela completou: “Dei um Google, achei um fornecedor, amei o site e mandei um e-mail. Me responderam antes do que imaginava de um jeito super profissional, com fotos, custos, recomendações de clientes recentes e uma proposta tão amarradinha que fechei sem pestanejar.”

Confesso que fiquei mais interessada no raciocínio do que propriamente defender o meu ponto de vista, porque tenho estado encafifada com uma impressão de que a nossa balança social é mesmo muito diferente. Temos muita elasticidade para tolerar o que pode parecer intolerável. Podemos suportar a corrupção se “ele rouba mas faz”, podemos perder horas no trânsito e viver sob o cinza e com barulho de buzinas agudas se na cidade as coisas funcionam mais do que em outras paradas, podemos eleger uma moça simpática e autêntica no reality show de maior audiência do país, mesmo com a suspeita de um histórico de promiscuidade em vidas passadas.

E até agora não sei se isso é um elogio ou uma crítica. Sob o aspecto de inovação, que é o objeto do nosso trabalho, acho uma super oportunidade: empresas têm a chance de experimentar mais, de ousar, de arriscar, sem o medo de esbarrar em uma cultura muito conservadora e critérios inflexíveis. Sob o aspecto de desenvolvimento, é um alerta de perigo, porque nos falta atitude para a mudança, para reagirmos contra o que não faz sentido, e nos falta mobilização para provocar transformações que podem nos fazer viver bem sem ter que, como compensação, sofrer também.


) Karina Arruda

) Weekly Report - 28 de março a 04 de abril de 2011

Weekly Report 28 Mar 04 Abr 11
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terça-feira, 29 de março de 2011

) Geração Carência



Aconteceu: um fornecedor com quem não tenho a mínima intimidade me chamou dia desses no Skype: “ Oi, tudo bem? Você viu minhas fotos no Facebook?” Pensei tratar-se de algum engano, mas para não criar clima, respondi: “Oi, não vi não, por quê?”. Ele completou: “Veja as fotos da minha viagem, eu e os golfinhos, muito legal!”. Ainda meio sem entender o que eu tenho ver com as cuias, mas sensibilizada, respondi: “Ah, legal, vejo sim!”. E ele não deixou por menos: “E deixa um comentário, tá?” Hã?

Bom, funciona assim: você está em uma festa incrível, saca o celular, tira uma foto, publica no Facebook e não consegue curtir o resto da esbórnia porque ninguém curtiu o seu momento nos 10 minutos seguintes. Ou: seu tricolor ganhou, você tá numa alegria de ver estrelas, faz um comentário inspirado no Twitter e ninguém te responde, nem te dá RT, nem mention, nem nada, e te faz sentir um torcedor do União Barbarense. Bingo. É a tradução exata de declarações que já escutamos muitas vezes em nossos projetos na Inspiral: uma sensação intermitente de muitas vezes poder alcançar tudo, mas de muito facilmente parecer que não se tem nada.

Redes sociais são a água fervente da vida com avatar: todos celebrando o prato digno de nota que comeram, as paisagens deslumbrantes que conheceram, o rostinho abençoado dos filhos que tiveram, o novo status de relacionamento que conquistaram. E todos esperando comentários elogiosos, aprovadores e – por quê não – invejosos. É uma troca: “curta a minha experiência e me estimule a continuar dividindo a minha vida com você”. Esse é um ciclo que envolve voyeurismo, consumismo e um pouco de masoquismo. Vigiamos a vida dos outros sem saberem quando e como, consumimos a experiência dos outros para que vire um pouco nossa também e sofremos aquilo que não vivemos, mas adoraríamos experimentar. Costumo dizer que os posts viraram a nossa nicotina digital: nós respiramos a fumaça ao invés de ter a vontade – ou a possibilidade – de tragar.

O resultado? Um geração de carentes. A vida parece estar passando mais rápido do que os anos que temos para viver; temos menos conteúdo para publicar do que as linhas que temos para escrever; e temos mais vida dos outros para bisbilhotar do que tempo livre para ver. E assim a vida dos “conectados” virou um tablóide de novos verbos: tuitar, postar, publicar, curtir, comentar, em uma trajetória de ações que sempre esperam uma resposta. Se ela não vem no tempo ou do jeito que se imagina, a ansiedade, a aflição e a sensação de invisibilidade escancaram a carência de uma geração que ainda não aprendeu a relaxar quando vê o seu quadrado vazio.



) Karina Arruda

) Weekly Report - 19 a 26 de Fevereiro de 2011

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