terça-feira, 29 de março de 2011

) Geração Carência



Aconteceu: um fornecedor com quem não tenho a mínima intimidade me chamou dia desses no Skype: “ Oi, tudo bem? Você viu minhas fotos no Facebook?” Pensei tratar-se de algum engano, mas para não criar clima, respondi: “Oi, não vi não, por quê?”. Ele completou: “Veja as fotos da minha viagem, eu e os golfinhos, muito legal!”. Ainda meio sem entender o que eu tenho ver com as cuias, mas sensibilizada, respondi: “Ah, legal, vejo sim!”. E ele não deixou por menos: “E deixa um comentário, tá?” Hã?

Bom, funciona assim: você está em uma festa incrível, saca o celular, tira uma foto, publica no Facebook e não consegue curtir o resto da esbórnia porque ninguém curtiu o seu momento nos 10 minutos seguintes. Ou: seu tricolor ganhou, você tá numa alegria de ver estrelas, faz um comentário inspirado no Twitter e ninguém te responde, nem te dá RT, nem mention, nem nada, e te faz sentir um torcedor do União Barbarense. Bingo. É a tradução exata de declarações que já escutamos muitas vezes em nossos projetos na Inspiral: uma sensação intermitente de muitas vezes poder alcançar tudo, mas de muito facilmente parecer que não se tem nada.

Redes sociais são a água fervente da vida com avatar: todos celebrando o prato digno de nota que comeram, as paisagens deslumbrantes que conheceram, o rostinho abençoado dos filhos que tiveram, o novo status de relacionamento que conquistaram. E todos esperando comentários elogiosos, aprovadores e – por quê não – invejosos. É uma troca: “curta a minha experiência e me estimule a continuar dividindo a minha vida com você”. Esse é um ciclo que envolve voyeurismo, consumismo e um pouco de masoquismo. Vigiamos a vida dos outros sem saberem quando e como, consumimos a experiência dos outros para que vire um pouco nossa também e sofremos aquilo que não vivemos, mas adoraríamos experimentar. Costumo dizer que os posts viraram a nossa nicotina digital: nós respiramos a fumaça ao invés de ter a vontade – ou a possibilidade – de tragar.

O resultado? Um geração de carentes. A vida parece estar passando mais rápido do que os anos que temos para viver; temos menos conteúdo para publicar do que as linhas que temos para escrever; e temos mais vida dos outros para bisbilhotar do que tempo livre para ver. E assim a vida dos “conectados” virou um tablóide de novos verbos: tuitar, postar, publicar, curtir, comentar, em uma trajetória de ações que sempre esperam uma resposta. Se ela não vem no tempo ou do jeito que se imagina, a ansiedade, a aflição e a sensação de invisibilidade escancaram a carência de uma geração que ainda não aprendeu a relaxar quando vê o seu quadrado vazio.



) Karina Arruda

) Weekly Report - 19 a 26 de Fevereiro de 2011

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